quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

“Quero viver”

Se tivesse a oportunidade de se encontrar com a presidenta Dilma Rousseff, Laisa Santos Sampaio, irmã de Maria do Espírito Santo e cunhada de José Cláudio Ribeiro, casal de extrativistas assassinados em maio de 2011, em Nova Ipixuna, Pará, diria sem hesitar: “Eu quero viver”. O apelo por proteção surge com as ameças de morte e o peso de assumir a luta dos familiares contra a ação ilegal de madeireiros e carvoeiros no Assentamento Praialta-Piranheira.
Embora abandonados à própria sorte em seu País, o desfecho trágico do casal e sua família para manter a floresta de pé ganhou a atenção do mundo e das Nações Unidas. Laisa recebe em nome de Maria e Zé Claudio nesta quinta-feira 9, em Nova York, um prêmio da ONU pela trajetória dos extrativistas. A cerimônia Heróis da Floresta congratula indivíduos de todo o mundo que trabalharam em 2011 para proteger a floresta e a menção aos ambientalistas foi criada de forma inédita.
Ameaçada de morte, Laísa Santos Sampaio recebe prêmio na ONU em homenagem ao casal de extrativistas assassinados no Pará. Foto: Gabriel Bonis
Em meio a indicações de 41 países, o Brasil tem dois representantes na final: o jornalista Felipe Milanez, colaborador de CartaCapital, que atua mostrando a realidade dos povos da floresta,  e Paulo Adario, diretor da campanha Amazônia, do Greenpeace Brasil.
“Quando recebi o telefonema da ONU para representar esses heróis, fiquei emocionada por eles. Pensei em como seria se estivessem vivos para ver o reconhecimento de tudo pelo que lutaram”, conta Laisa, em uma conversa reservada com CartaCapital e poucos jornalistas em São Paulo, horas antes de partir para Nova York.
Desde a morte de Maria e Zé Claudio, as ameaças de morte vêm se intensificando. A reportagem de CartaCapital já havia denunciado a situação em agosto de 2011, quando a Força Nacional conduzia a Operação Defesa da Vida contra os conflitos agrários na região amazônica. À época, as investigações sobre o homicídio do casal pela Polícia Civil haviam acabado e os acusados pelo crime – os pistoleiros Lindonjonhson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento, suspeitos do assassinato, e o pecuarista José Rodrigues Moreira, mandante – estavam soltos. “Sabemos demais”, disse Laisa, cuja casa no assentamento havia sido invadida e um de seus cachorros baleado.
Oito meses após a morte do casal, as ameaças ganharam contornos ainda mais assustadores. Os “avisos” chegam por recados de pessoas que percebem movimentações estranhas nas proximidades da casa da irmã de Maria do Espírito Santo. “Uma senhora que já havia alertado Maria e o Zé Claudio me disse chorando que um homem estranho, que esteve na casa do mandante do crime, estava rondando meu lote.”
Laísa é professora e desenvolve projetos para incentivar crianças a reconhecerem a importância da floresta. As ameaças, no entanto, chegaram à sua sala de aula, juntamente com o início do ano letivo de 2012. “Uma menina de 14 anos perguntou à minha filha se eu utilizava moto. Então pediu que, pelo menos naquele dia, eu fosse embora de outro jeito”, conta. E continua: “Um menino estranho chegou na minha sala. Parou e me encarou. Quando disse ‘oi’, ele saiu correndo e subiu em uma moto que o aguardava na porta da escola. Ninguém conhece o homem da moto ou o menino.”
Outro menino estranho, relata, perguntou se ela mantinha a porta da casa fechada ou aberta. “A ameaça não tem cara, porque para um adulto ninguém responde. Agora [os ameaçadores] estão usando os seus filhos e os dos outros para mandar recados”, dispara.
Apesar das ameaças, Laísa não recebe escolta oficial. Chegou a ser entrevistada para o programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos do governo federal no último ano, mas não se qualificou. Perdeu o direito porque um delegado da cidade onde mora produziu um relatório no qual refuta a sua necessidade de receber o auxílio.
Ela descobriu o motivo para a negativa apenas na terça-feira 7, quando esteve em uma reunião com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, em Brasília. No local, conversou com a coordenadora nacional do programa, que lhe explicou a situação. “Para o delegado, havia meias verdades na ocorrência do tiro no cachorro. Há conversas e emails com ele dizendo isso”, desabafa. “Isso porque deixaram sinais do mesmo jeito que fizeram com Maria.”
Laisa diz ter perguntado ao ministro se ele achava justo ter de abandonar tudo o que construiu na vida em razão do descaso do governo.
O encontro com o ministro resultou em uma nova promessa de proteção. “Ele [Carvalho] me disse que não poderia prometer muitas coisas, mas que não ficaria mais desprotegida. E pediu para que as providências fossem tomadas.”
José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo enfrentavam interesses poderosos. Mas não contavam com a traição de quem vivia as mesmas agruras. Por Felipe Milanez. Foto: Marcelo Lacerda
As promessas foram tantas que Laisa confessa apenas esperar que desta vez a solicitação funcione. Em um passado próximo, isso não aconteceu. Segundo a professora, mesmo após a intensa movimentação de autoridades em Praialta-Piranheira, desde o Ibama à Força Nacional, provocada pela comoção dos assassinatos, nada foi feito em relação à segurança.
“Houve uma série de denuncias que não foram fiscalizadas, pedimos um posto policial dentro do assentamento para dar mais segurança e inibir ações ilegais de retirada de madeira e nada. A maioria das madeireiras e serrarias estão funcionando em Nova Ipixuna porque a Justiça liberou.”
Pior ainda que o retorno da atividade madeireira, destaca, é o funcionamento das carvoarias. “O madeireiro retira as castanheiras e ao menos deixa a mata ciliar, já o carvoeiro derruba tudo. Fica deserto.”
Laisa fala e de repente para. “Desculpe, me fugiu o que ia dizer”. Tenta lembrar-se, mas não conseguiu. “Sofri um trauma psicológico muito grande após o ocorrido e agora tenho esse problema”, confessa. “Consegui tratamento, mas não tive condições de ir à Belém e agora uso um gravador para ouvir minha voz e me ajudar”.
Em meio à pressão intensa, a professora também relata fortes dores no estômago. Mas os sintomas do assassinato de Maria e Zé Claudio já atingem o seu marido, Zé Rondon. “Ele está com medo de andar de moto, mas esse é o nosso meio de transporte lá.”
O transtorno causado pela morte dos extrativistas e da atuação ambiental de Laisa parece não terminar. A professora enfrenta a ira ou a ignorância de pais da escola em que leciona, que fizeram um abaixo assinado para retirá-la de seu cargo sob a alegação de seus filhos estarem em perigo. “Acham que se eu perder o emprego, vou sair daqui.”
Provocações pelas quais Laísa não se deixa levar e garante ficar no assentamento até que a “permitam”. “Hoje entendo porque as pessoas me perguntam o motivo pelo qual Zé e Maria, mesmo sabendo de todo o risco que sofriam, não deixavam a luta. Porque é uma ideologia de vida, conquistei aquele lote e o meu modo de viver”, conta.
“Dói-me ver a floresta ir embora. Alí construímos uma história.”
Assista ao documentário sobre a atuação de Maria e Zé aqui.

Gabriel Bonis

Fonte: Carta Capital

1 comentários:

Maria das Graças Frazão disse...

É até constrangedora esta situação além de lamentável e revoltante. Penso assim porque acreditamos viver em liberdade, e entre nós existem pessoas absurdamente injustiçadas, perseguidas e assassinadas. Pessoas que lutam pelo bem comum, que defendem causas nobres e que por isso perdem o direito de viver em paz ou de simplesmente viver porque a ganancia e covardia de alguns as ameaçam,aterrorizam e tentam neutraliza-las. Um sentimento de impotência chega a nos incomodar por convivermos com situações semelhantes. O que todos nós estamos fazendo contra esses absurdos???

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